A posteridade nunca foi muito justa com Sade, tantas vezes considerado apenas como um pornógrafo, apesar de todos os seus esforços como livre pensador. Segundo Lacan, ele teve a eminente função de retificar a posição da ética, abrindo caminho para o discurso vindouro da ciência positiva. Este teria sido o exemplo iniciático do tocador sadiano, comparável à Academia, ao Liceu, ou à Stoa da antiguidade. Por esse viés, A filosofia na alcova, um dos textos capitais do Divino Marquês, parece avant la lettre dialogar telepaticamente com a Crítica da razão prática de Kant. Ali, em Kant, o fundamento da prática da razão pura assim era enunciadoage de tal maneira que a máxima de tua vontade possa valer sempre como princípio de uma legislação universal. Todavia, no seu peculiar estilo, Sade afirmava tenho o direito de gozar de teu corpo, e hei de exercê Io sem que limite nenhum me detenha no capricho das exigências que me dê vontade de saciar nele. Por esta regra, pretende se a submissão da vontade de todos, desde que uma sociedade a torne efetiva, pelo seu caráter obrigatório. O imperativo categórico, presente nos sistemas que se desprendem dos livros de ambos os pensadores, acaba por posicioná Ios como debatedores de uma mesma questão a redução da lei à norma, isto é, a defasagem entre a lei moral e a moral social. Debochado, porém sério, Sade propunha, de modo kantiano, uma relação entre a moral uniforme do homem natural e os desideratos da Revolução Francesa para ser ver dadeiramente republicano, o cidadão devia ser ateu até as últimas consequências. Nas suas argumentações, o ateísmo racional era apresentado, em primeiro lugar, como herdeiro das crenças monoteístas, das quais manteria a economia unitária da alma, junto com a propriedade e identidade de um eu responsável; em segundo, poderia ser promovido à alçada de uma religião; por último, e como corolário, a razão, no espírito revolucionário, seria convertida em um deus. Por estas e outras, pode ser sintetizada numa única imagem uma miríade de palavras no final do filme Contos proibidos do Marquês de Sade, quando um padre aproxima um crucifixo do personagem principal, que não é outro senão o próprio Iibertino, agora agonizante, é perfeitamente coerente que este o engula, evidenciando, naquele gesto, seu verdadeiro desejo, impenitente e blasfemo. Os sofismas e anátemas reunidos no presente volume, escritos há séculos, conservam hoje a virulência de então, comprova.
ISBN-10: 8573211679 ISBN-13: 9788573211679 Páginas: 128 Subtitulo: DIÁLOGO ENTRE UM PADRE E UM MORIBUNDO idioma: PORTUGUES Edição: 1 Data edição: 2001-01-01 00:00:00 Encadernação: BROCHURA Autor: SADE, MARQUÊS DE Garantia: 3 Altura: 16.00 Comprimento: 16.00 Largura: 16.00