Nem pelo começo nem pelo fim, mas pelo "ventre da Besta". É assim que este escritor defunto decide iniciar suas memórias. Ele tentou o suicídio e não conseguiu, mas mesmo assim está morto - de uma forma que o leitor só descobrirá no momento oportuno. Em vida, o enfado tomava conta de sua rotina. A própria infância não tinha sido feliz, marcada por pesadelos terríveis, em particular o da "síndrome da igualdade progressiva".Uma visita diabólica surge para aproximar as pontas de sua vida, voltando a unir velhice, infância e mocidade: o advogado Faustino Xavier lhe traz o livro Os perigos do individualismo: um tratado, escrito em 1891 por J. Deus & Silva. Propõe então ao escritor que avalie a autenticidade da obra.O escritor cede à tentação de folhear o volume e descobre que as idéias de J. Deus & Silva são assustadoras: sua imagem de um mundo melhor seria a de um grande espetáculo anônimo em que os atores fossem controlados por um diretor tirânico e oculto - um verdadeiro inferno de marionetes. Para enfrentar o tédio e a solidão, o escritor decide aceitar a tarefa encomendada. Mas logo descobre que o endereço de Faustino Xavier é falso.Tem início assim uma investigação que fará com que o autor desça às entranhas de um manicômio para idosos carentes e reveja a história de sua família - especialmente a de seu avô, o Velho, e a do irmão dele, a quem se refere apenas como tio Maria, mas que em tudo lembra um certo Joaquim Maria Machado de Assis. Quanto ao Velho, consta que abandonou a literatura para fabricar biscoitos amanteigados, deixando um manuscrito inédito que, se revelado, faria "o mundo e a literatura tremerem".Agora, o escritor defunto tenta entender as ligações entre essa obra perdida e a utopia coletivista de J. Deus & Silva, procura decifrar o mistério de mulheres como Maria Inês, Marcela e Virgília, e acaba conhecendo o frágil limite entre loucura e razão. Nesse torvelinho, o estilo e a visão de mundo do mestre Machado são as chaves que movem a engrenagem do enigma. O leitor, absorvido pela história, vai se deixar levar até o fim pela habilidade narrativa de um autor que soube atualizar, com erudição e astúcia, a maestria do nosso escritor maior.