Este livro de Moisés Alves dança entre a vida, o inventário e a notação. E nos convida a dançarmos juntos. Belo gesto. Que saberemos se atentarmos à vida em seus mínimos movimentos – os únicos que realmente valem a pena que os escreve. Aqui, encontramos bons encontros, alegrias, animais íntimos, o exterior do mundo, mas também maus encontros, tristezas, humana solidão e as leis que se nos chocam. O poema de Moisés tem algo daquela “luz que precede a madrugada”, mas sem a frieza pessoana, e sim a plena tepidez de quem acolhe, elabora e devolve a vida sem medos, mas como aprendizado. Devolve como generoso compartilhamento. Seus poemas ensinam sem a pedagogia escolar, mas com a sabedoria dos ruminantes. A série de “Áudios” é exemplar, trazendo uma necessidade de interlocução com ouvintes-leitores dos dias que passam e deixam restos, traços, pegadas e áudios a quem amamos. Áudios de um corpo em palavras ditas ao pé do ouvido, ao pé da cama, ao pé da letra. Destaco também “Eriçar”, “Rocinha” – belíssimos dentre tantos. As referências ao jazz ao longo do livro me fazem pensar no que há de improviso de vida-e-escrita, ao ritmo dos acontecimentos, como em “A vida que cabe” ou em “Toda boca tem um vermelho cru de carne”, em que a crueldade também aporta com a inocência dos animais que amam, onde quer que estejam, Salvador, Berlim, Cidade do Cabo, São Petesburgo, o mundo: “não conheço sensações fracas / acho que agora estou pronto / vou começar / criando uma alegria / como forma de protesto”. Sandro Ornellas