Esta novela denuncia o tratamento cruel que sofriam — e ainda sofrem — as jovens brasileiras que amam o sexo, e conta a história de Vânia, que é condenada sem julgamento ou processo legal a viver numa Colônia penal do Recife porque perdeu a virgindade sendo então considerada a vergonha da família.
A sociedade brasileira sempre foi impiedosa com a mulher. Decretou muito cedo a liberdade absoluta dos homens. Às mulheres sempre reservava a cozinha e sempre, sempre, sempre o trabalho doméstico, destinando o tratamento de puta para aquela que tivesse um mínimo de interesse público. Com a chamada ”revolução do sutiã” já na segunda metade do século XX, teve início, verdadeiramente, a liberação feminina. Sem esquecer, é claro, o surgimento da minissaia, cuja importância social é inesquecível. Timidamente, as meninas mostravam o joelho.
O escritor Raimundo Carrero faz, assim, uma forte e definitiva crítica à sociedade pela maneira grosseira como trata a questão da mulher moderna e contemporânea. Mostra, entre outras coisas, que esta sociedade despreza completamente o surgimento de novos valores sociais, considerados decadentes — na expressão usual — por conservadores e antiquados. A novela aponta para o surgimento de uma nova sociedade, regida pelos seus próprios valores, sem desrespeito aos mais antigos, mas iluminando os novos. É nesse sentido que o personagem dr. Vesúvio, o patético e violento pai de Vânia, se movimenta com o seu chapéu-panamá. Símbolo de um autoritarismo estúpido que desaparece e que só ele parece não perceber.
Ao lado de Vânia e de Vesúvio, surge o jardineiro Abdon, espécie de anjo da menina e que cuida dela com imenso carinho, substituindo a mãe, inclusive nos banhos. Enfim, uma novela contemporânea, que examina as relações humanas, sem perder, porém, a perspectiva do humor.
Assim, Raimundo Carrero enriquece seu painel de grandes personagens femininas que reúne Bernarda Soledade, Esther, Camila, tia Guilhermina e Vânia, que protagoniza esta novela com a sua impetuosidade e poesia, com a cumplicidade de Sylvia Plath, a rebelde escritora norte-americana.
Raimundo Carrero nasceu em dezembro de 1947 na cidade de Salgueiro, sertão de Pernambuco, e é um dos autores mais premiados do Brasil. Conquistou os prêmios Jabuti em 2000; Prêmio São Paulo em 2010; o prêmio APCA em 1995 e 2015; o Machado de Assis em 1995 e 2010; Prêmio Revelação do ano, em 1997, da Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul; prêmio José Condé em 1984; e prêmio Lucilo Varejão em 1986.
Tem obras traduzidas na França (Bernarda Soledade e Sombra severa), na Romênia (Bernarda Soledade, Sombra severa e Minha alma é irmã de Deus), no Uruguai (Minha alma é irmã de Deus) e na Bulgária (Bernarda Soledade).
Sua obra foi objeto de dois doutorados — Raimundo Carrero e a estética do redemunho, de Cristhiane Amorim, pela UFRJ; e Raimundo Carrero e a pulsação narrativa, de Priscila Medeiros Varjal, pela UFPE — e de três mestrados — Somos pedras na angústia, de Auríbio Farias; Raimundo Carrero e a banalização da violência, de Elcy Cruz; e A vingança da culpa, de Maria dos Santos, todos pela UFPE.