"Algumas coisas me ocorreram durante a leitura desse novo livro do André Oviedo. Clarice Lispector, por exemplo: "Amar é dar de presente ao outro a própria solidão?" Ou o amor convertido em deserto do Harry Dean Stanton e da Nastassja Kinski em Paris, Texas, do Wim Wenders. Também Murilo Mendes: "A voz que me tocou não é voz, nem me tocou". Aí me toquei que, para além dos seus lindos poemas, o que mais me encantou em Estar perto de perceber alguma coisa foi o fato de se tratar de um livro de poesia muito bem construído, para não dizer: extremamente bem narrado.
É como se André tivesse projetado um bairro para abrigar uma língua, ou melhor: para reconstruí-la. Dentro desse bairro, uma casa mobiliada com "familiaridades perdidas", estrelas atrasadas, cartas embaixo das portas: "nos conhecemos cedo demais/ eu ainda não era eu/ você não era você/ estávamos a caminho/ e agora que chegamos/ fomos embora".
Mas talvez não seja isso, ainda.
O que talvez o poeta tenha feito (ou rarefeito) aqui, com delicadeza e precisão, foi perceber que ao tentar reconstruir esse idioma-a-dois-extinto, o que surgiu foi uma língua irreparavelmente sua. Como o "pouco da cômoda" que "fica na parede". Como Maga e Oliveira vendo os peixes no Quai de La Mégisserie em O Jogo da amarelinha do Cortázar, outra imagem que me ocorreu na leitura: os dois aproximando os olhos do aquário, apertando o nariz no vidro, compreendendo cada vez menos o que são os peixes e, "por esse caminho de não compreender", ficando "cada vez mais perto deles". "
Marcelo Montenegro