Viver é um milagre. Morrer é o natural, o destino de todos, afinal. É nessa lógica que operam as personagens das dezoito histórias desta fascinante seleta: todas em um território fantasma (e independentemente da idade fisiológica), entre a infância e a vida adulta. Crianças que lutam para atravessar o cinismo dos mais velhos, e estes últimos, por fim, em uma batalha para recuperar alguma inocência. É a clássica contenda para escapar da primeira queda: uma criatura adulta é sempre borrada, alguém que perdeu completamente a clarividência e a espontaneidade. E Michelli Provensi transforma este desenraizamento numa experiência de linguagem: com um dialeto próprio e certeiro.
Estamos também dentro de um espaço narrativo inusual e fascinante, o Oeste Catarinense. As narrativas se desenvolvem em cidades como Palmitos, Tigrinhos, Flor do Sertão, São Miguel do Oeste, Chapecó, Maravilha, Caibi, Saudades, Pinhalzinho, Caxambu do Sul, entre outras...Lá não estão as praias paradisíacas ou a neve da Serra, ou a tal cultura europeia do Vale do Itajaí. Este Oeste opera em outra lógica, e não apenas geográfica, mas histórica, sociológica, cultural e linguística.
Marinheira de açude traz comoventes mitologias familiares e apresenta vidas que nunca foram atravessadas pelo urbano, pela celeridade de uma grande cidade, pela precarização do espaço da terra, pelos códigos mercadológicos das grandes metrópoles. As relações são muito mais próximas, porém, ásperas, diretas, mas também sinceras, espalhafatosas. Com jocosidade hipnótica e desconcertante, os enredos circulam no implícito: um sistema que afeta diretamente a vida de todas as pessoas. Este livro é um acontecimento.