Direta ao fato como numa queda brusca. Assim é a escrita de Maria Eugênia M. que, sem devaneios ou necessidade de criar suspense, vai do início ao fim em poucas palavras no levando com ela a cada baque. Basta ler a primeira página de Os sapatos não acompanham as quedas para entender que o calendário da narradora é marcado pelo antes e o depois da morte do seu filho. E que o que segue será um diário ou uma alucinação que mistura diversas perspectivas de uma mesma realidade.
A história é narrada em detalhes descritivos ricos misturados a reflexões e questionamentos. Tudo isso um capítulo único, assim como também era único o filho de Célia que, com apenas vinte e nove anos, se lança da janela do seu apartamento, causando na mãe não só a dor inenarrável da perda de um filho, mas o questionamento sobre a perda da sua própria identidade: “É isso o que sou. Ou melhor, é isso o que eu deixei de ser: uma mãe”.
Fim, início, meio, o passado invadindo o presente tomado pela preocupação de um futuro que parece impossível. A noção de tempo se confunde ao longo da narrativa que, mesmo breve, tem a profundidade de um abismo. As memórias aqui são apresentadas como numa montanha russa, mostrando como a linearidade do tempo se confunde quando se fala de alguém que não existe mais, mas que insiste em se manter eterno.
Maria Eugênia M. consegue mostrar essa alternância no ritmo do texto, quando narra as memórias do filho em listas extensas que cobrem uma ou mais páginas, mas que são interrompidas por algo que conecta a narradora de volta ao inevitável presente. “Da primeira desilusão amorosa que fez o meu filho chorar sozinho em alguma esquina do centro da cidade – a menina, sua primeira namorada, esteve no velório”.
Este é um livro que nos leva a refletir sobre o nosso descontrole diante do que simplesmente é. Tendo o suicídio de um filho como o exemplo maior do incompreensível. Para uma mãe um filho só deve existir no início e no meio, nunca antes do seu próprio fim.
Só uma mãe que perde um filho sabe o que é perder um filho. Mas não é preciso ser mãe para entender que se trata de uma dor que pode sim levar à loucura. E ainda bem que a literatura tem o poder de colocar em palavras o que não sabemos. É isso que Maria Eugênia M. faz aqui ao narrar o barulho que tem o silêncio de uma dor para a qual “não existe consolo”, que persiste de forma confusa e fragmentada, confundindo tempo e espaço. Uma dor que não se esquece, se tem.