Poema de amor pós-colonial, vencedor do prêmio Pulitzer de poesia em 2021, é o segundo livro de Natalie Diaz, poeta mojave norte-americana. Em sua paisagem lírica, os corpos das mulheres latinas e indígenas são corpos políticos e, ao mesmo tempo, corpos em êxtase. Os versos de Diaz desafiam as condições a partir das quais se escreve num país cuja fundação rasurou e rasura corpos como o dela e das pessoas que ela ama.
A seguir, uma pequena apresentação do livro feita por Julie Dorrico, poeta do povo Makuxi e pesquisadora de poesia indígena:
“Quando nós, indígenas de Abya Yala (como chamamos politicamente as Américas), pudemos escrever com o alfabeto latino, fomos perscrutados, enquadrados e até ameaçados de trair nossa tradição oral. A escrita, um direito universal apregoado, chegou de modo tardio para nós. Enquanto nosso canto era represado no silêncio, testemunhamos imagens serem construídas e, logo, assumidas como naturais. Assim vimos nossas crenças serem tratadas como mitos. Mas vivemos outros tempos, graças às lutas de nossos antepassados. Agora falamos, pelos livros, sobre experiências ausentes em literaturas nacionais, tais como nossas famílias; amores conjugais, fraternos e territoriais; espiritualidades; e de como fomos, absolutamente todos, atravessados pela experiência colonial-imperial.
Poema de amor pós-colonial, de Natalie Diaz, corre com as águas ‘Aha Makav, o verdadeiro nome Mojave, e deságua aqui, em nosso pluripaís, em nós, trazendo angústias jamais pronunciadas: o direito ao nosso nome ancestral de povo, em vez
de apelidos tratados como legítimos em documentos oficiais; os nossos nomes individuais, antes dados pelo Criador, mas que agora são obrigados a espelhar nomes de colonos que nos subjugaram; os relacionamentos interracial e de gênero
a partir de um viés não romântico, contestando a tradição de Estados-nação que inscreveram nosso direito de amar ao desejo inacessível e à morte; o racismo e a violência estrutural que se empenham em nos extinguir.
Natalie Diaz traz a esta pele de papel (expressão de Davi Kopenawa para se referir aos ‘livros’) uma cosmovisão indígena comum aos povos originários quando afirma ser areia, água, cobra. Como cobra, ela diz: ‘Quando uma cobra engole sua presa, uma fileira de dentes internos ajuda a passar a mandíbula pelo corpo da presa —passando como lendo. Passando sobre uma palavra com os dentes em nossa mente. Escrever é ser devorada. Ler, estar cheia’. Em seus versos, preciso confessar, sintome como devorada.” — Julie Dorrico