Quem apaga a luz sou eu é a segunda parte de um verso de uma poeta jamais publicada. Beatriz, que se denomina – entre muitas outras facetas que sua personalidade absorvente poderia assumir – “o monstro”, é a autora deste verso e de tantos outros trechos (de cartas, diários, poemas…) que permeiam este livro, e é também seu personagem principal. Tendo como pano de fundo os empolgantes anos 1990 de um Rio de Janeiro já liberado dos recalques da ditadura, em plena retomada do cinema brasileiro, surfando ainda no entusiasmo juvenil gerado pela poesia marginal, pelo rock nacional, pelo Circo Voador e pela geração 80 do Parque Lage, o livro conta a história de Beatriz, bela, talentosa e privilegiada jovem da zona sul, moradora de Ipanema, que vive intensamente sua liberdade. Como tantos de sua geração, incluindo o seu igualmente talentoso irmão Ricardo, o mundo era maravilhoso demais para ser experimentado com comedimento: as fortes demandas do amor e da paixão, as possibilidades profissionais em um país mais otimista, as tentativas de encontrar outras formas, mais abertas, de se relacionar (para além do casamento burguês tradicional), as drogas… Se na Espanha se fala claramente de uma geração perdida para as drogas, especialmente para a heroína – a chamada “geração Movida”, nos anos 1980, oriunda do entusiasmo de uma onda criativa e comportamental que envolveu a juventude do país a partir da morte de Franco, marco da retomada democrática –, pouco ainda se estudou no Brasil sobre os efeitos devastadores do uso de drogas nos anos do nosso “desbunde”, a partir do fim da ditadura civil-militar. As trevas do sofrimento causado pela dependência química surgem neste livro como o lado sombrio da intensa luminosidade da época, com suas praias e vida social intensa; como dois lados da personalidade de Beatriz. Mas Beatriz não é uma personagem ficcional. Ela existiu, viveu, amou, sofreu entre nós. Magda, a autora do livro, é sua mãe. Quem apaga a luz sou eu é a história real e comovente de uma mãe que não cessa de tentar compreender a vida e as escolhas de seus filhos, Beatriz e Ricardo, e de talvez prestar uma homenagem a eles, especialmente focada aqui na relação mãe-filha. Uma história que nos ensina, acima de tudo, a respeitar o profundo mistério da singularidade de cada um. Como escreve Beatriz em um dos seus últimos textos, completando o meio-verso do título do livro: E que fique muito CLARO que quem apaga a luz sou eu. Renato Rezende