Deve uma mãe desejar que a filha seja aquilo que ela não pôde ser? E o que pode ser feito quando as coisas não saem como o esperado?
Neste romance comovente da sul-coreana Kim Hye-jin, a protagonista, uma cuidadora de idosos, é uma mulher exemplar aos olhos da sociedade. Viúva de um casamento dentro dos padrões, criou a filha para seguir as tradições — casar, formar uma família e desfrutar de uma casa própria e um bom salário — e não perturbar seus planos de aposentadoria sem sobressaltos. Mas tudo sai do eixo quando Green se assume lésbica e, sem emprego fixo ou renda para pagar o aluguel, volta para a casa da mãe com a namorada.
Envolta em culpa e arrependimentos, a mãe encara a situação de modo pouco generoso, inclusive consigo mesma. E a sua rotina também não é capaz de oferecer outro repertório que não o do julgamento e da rigidez, já que passa os dias em um ambiente de trabalho insalubre, entre farelos de bolinho na boca, pernas esqueléticas dos doentes, diarreia, brotoejas, fraldas, cheiro de urina, unhas mal cortadas etc. Mesmo habituada ao sacrifício, essas imagens contrastam com a “comida aconchegante” que a namorada de Green prepara, o ambiente acadêmico que frequentam e a casa simples em que moram.
Mas até onde a filha realmente se distanciou do projeto de vida que a mãe sonhou pra ela? Enquanto Green luta contra a homofobia na universidade em que atua como professora horista, a mãe entra num embate contra os métodos desumanos de administração da clínica em que trabalha. Se o choque de gerações afasta, a partilha de certos valores une as duas.
Sobre minha filha é um romance profundamente honesto a respeito da intensidade dos laços de família, mas não só. Conhecida por retratar de forma compassiva o sofrimento silencioso dos oprimidos, Kim Hye-jin traça um panorama da classe média sul-coreana e evidencia a falta de mobilidade social de uma sociedade que vê seus índices de pobreza aumentando a cada dia. Nela, viver com dignidade é em si só tarefa árdua, que exige que mãe e filha superem as diferenças e o ressentimento para acolher uma à outra.