O mais recente romance da escritora Marcia Barbieri, [TEMPO DE CÃO] pode também ser lido como um potente poema em prosa, em que figuram múltiplos personagens: Menino, o enterrador de corpos (que não é coveiro); sua mãe, Donana; outro personagem feminino que se dirige a Bonobobo e ele próprio; a cadela Bernadete, que ganha amplo espaço, conjurando-se quase numa pessoa; além da dupla Sombra e Barnabás, todos compondo um conjunto em que morte, vida e ressurreição protagonizam um moto-contínuo da humanidade.
A exemplo da obra pregressa da autora, [TEMPO DE CÃO] é uma obra que se multiplica na força da forma, mas que tem uma boa ancoragem de conteúdo; neste caso, fixando-se nas figuras materna e paterna fundamentais. Ao longo do livro, corre uma investigação sobre essas figuras de ligação primordiais, e o que é possível depreender, de cara, é a importância do mito de Édipo e o complexo segundo o qual o homem mata e (aqui) enterra o pai (em [TEMPO DE CÃO] mais por indiferença) e desposa a mãe, que aqui tem seu papel reforçado por todo tipo de figuração.
A exuberância do texto de Marcia Barbieri se dá à luz de recursos estilísticos modernos, como a aceleração e a desaceleração da narrativa – por exemplo, no último capítulo, abole-se a pontuação em prol de um bom fluxo de consciência que decorre por um único parágrafo. Fluxo de consciência que, por sinal, está presente em cada linha e torna a obra moderna e desconcertante.
Além disso, há um capítulo em que a fonte está maior do que no restante do livro; há outro capítulo inteiro em que a expressão “sem sombra de dúvida” (sic) é repetido (assim mesmo, com espaço, como se a palavra “sombra” fizesse sombra no papel); as perguntas são marcadas com um ponto de interrogação ao contrário no início da frase, como em espanhol (nesta resenha, por limitação de recursos, uso o ponto simples, marcando o início da indagação), entre outras “bossas”.