Neste estudo inédito sobre a poética de Stella do Patrocínio, o som da voz dessa mulher negra nos conduz por cenários diversos, mapeados por um deslocamento surpreendente no espaço-tempo.
Stella do Patrocínio (1941-1992) foi uma mulher negra brasileira, criadora do Falatório, conjunto de falas registradas em uma série de gravações em áudio, mediadas por Carla Guagliardi e Nelly Gutmacherentre 1986 e 1988, na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. A publicação, em 2001, do livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome –transcrição de parte dessas gravações, organizada por Viviane Mosé –revelou e estabeleceu, de maneira incontornável, o Falatório como uma das poéticas fundamentais da arte contemporânea brasileira.
Embora Bruna Beber, neste Uma encarnação encarnada em mim, não entre no mérito da complexa legitimação de Stella do Patrocínio como poeta, a leitura deste ensaio nos instiga a pensar sobre as fragilidades de sua autonomia lírica. A maneira com a qual Stella do Patrocínio alia poéticas e profecias na fala corrente tornaram-na um caso sem par na história da literatura brasileira, além de evidenciar sua incrível capacidade de costurar, na voz, o encontro de diferentes sistemas literários.
A biografia de Stella do Patrocínio, no entanto,é permeada por lacunas. Não se sabe ao certo a cidade em que nasceu, apenas que viveu a maior parte da vida em dois manicômios. Sua entrada na primeira instituição se deu aos 21 anos, em 1962, após ser abordada na rua por policiais e levada ao Centro Psiquiátrico Pedro II. Em 1966, foi transferidapara o Núcleo Teixeira Brandão, pavilhão de mulheres da Colônia Juliano Moreira, e lá permaneceu até o dia de sua morte, em 1992. Como não havia registro de familiares, foi enterrada como indigente no Cemitério de Inhaúma.
Ao todo, Stella do Patrocínio passou trinta anos confinada. Por isso, também se tornou um nome importante para a luta antimanicomial no Brasil, movimento que leva à frente a pauta da reforma psiquiátrica.